Som na caixa

Som na caixa

Num dia de faxina para abrir espaço nos armários lá de casa, doamos todos os nossos discos de vinil. Tive uma ponta de arrependimento antecipado. Não pelos discos e agulhas, cuja manutenção me aborrecia, mas pelas capas que eu como diretor de arte adorava curtir enquanto ouvia o som que saía da vitrola.

A coleção de longplays, às vezes comprados por causa de uma única música,
foi substituída nos anos 90 pelo novo formato: Compact Disc.
O som era mais limpo, mas devo confessar, senti falta de ajustar a agulha no sulco do disco com todo cuidado para não riscar.

Os velhos CDs já foram substituídos pelos arquivos digitais que baixamos via internet e hoje carregamos no bolso uma coleção de mais de mil músicas que antes lotariam a estante de parede inteira na sala ou no escritório.
Viva a nano tecnologia. Mais qualidade e liberdade em menos espaço.

Temos a tendência de achar que o novo substitui e anula o velho. Bobagem!
Aconteceu o mesmo com a TV em relação ao rádio e ao cinema.
Todos sobreviveram e vão muito bem, obrigado.

O vinil também continua vivo, agora nas mãos de jovens descolados. Ao som das negras bolachas a galera troca informações sobre suas buscas na internet atrás das raridades analógicas e novidades digitais.

Nara

Minha filha Nara faz parte dessa turma. Dia desses, ela apareceu em casa com um toca-discos e os primeiros LPs comprados no centro de São Paulo.
Claro que não tínhamos espaço para esse equipamento ‘enorme’ na estante.

A encomenda: “preciso de um móvel para apoiar a vitrola e guardar meus discos”.

A solução: montei uma caixa em MDF no tamanho do equipamento e com dois compartimentos para abrigar a pequena coleção que se iniciava.
Pintei todo o rack de preto fosco.

A inspiração: para o acabamento usei a capa do disco ‘Some Girls’ dos Rolling Stones como inspiração. Reproduzi as páginas de um livro sobre arte de rua em estencil e colei nas laterais do móvel. Com spray grafite, dei uma chamuscada nas figuras e a caixa ganhou um ar desgastado, meio underground.

É engraçado quando a gente se revê no comportamento dos filhos.
Percebemos que o mundo muda rapidamente, mas o ser humano nem tanto.

Décio Navarro, designer de interiores e colunista Arquitecasa